>"O seu avô tem razão sobre isso. As Keys têm um jeito de amolecer você," Anna (Nana) afirmou no banco de trás, com seu rosto também colado no vidro.
>"Se prepare", ela continuou enquanto nosso carro subia e descia a pista em direção a Key Largo. "Isso vai ser divertido."
>Menos de quatro horas depois nós três estávamos navegando em direção a Molasses Reef. Anna e eu mergulhamos a mais de 60 anos e já fizemos milhares de mergulhos, muitos nas Florida Keys, frequentemente em Molasses. Essa seria a primeira vez de tudo para Quinn, e ele estava animado. Ele tinha que estar.
>A linha de recife para onde estávamos indo é um dos mais longos e largos recifes de coral dos Estados Unidos Continental — um local selvagem sobrevivendo no limite norte da região onde os corais formadores de recifes podem crescer. Apesar disso, o recife é imenso. Se a estrutura não fosse interrompida aqui e ali em direção ao sul ela seria a quarta maior barreira de recifes do mundo. Nós temos sorte em ter tal tesouro em nosso quintal. Assim como o Yosemite, o Grand Canyon e o Appalachian Trail, ele é nossa herança, é parte do que somos. Eu não consigo pensar em um lugar melhor para o Quinn fazer seu primeiro mergulho no oceano do que no recife dos EUA.
>Anna e eu estamos em uma missão muito importante para nós: estamos introduzindo nosso neto Quinn no mergulho. Ele e dois primos se certificaram quatro meses atrás. O treinamento das crianças foi excelente, mas os mergulhos de batismo foram conduzidos em um lago de nascente da Florida, muito diferente de se fazer um passo de gigante a partir de um barco em mar aberto. Anna e eu concordamos que seus primeiros mergulhos em um recife deveriam ser feitos com um instrutor. Portanto, logo após o 4 de julho, nós três saímos para uma viagem de carro de duas semanas para as Florida Keys — um destino tropical clássico conhecido por operações de mergulho de primeira linha, águas repletas de peixes e diversão.
>"Conte ao Vovô o que você viu, Quinn."
>"Uma manta," ele grita com um sorriso tão grande quanto o Benwood.
>"Onde?" Eu perguntei, um pouco em dúvida se ele realmente havia feito essa rara avistagem.
>"Próximo à proa, não distante de onde você estava fotografando os peixinhos," Quinn respondeu. "Eu mostrei para meu instrutor e para a moça com a gente. Eles viram também."
>"Você acredita?" Anna disse enquanto trocava os cilindros. "Esse é um peixe impressionante para adicionar à sua lista."
>Para ajudar Quinn a se familiarizar com a vida selvagem, nós havíamos sugerido que ele escrevesse os nomes das espécies de peixes que visse durante a viagem. Contando a manta, ele adicionou seis novas espécies à lista no Benwood incluindo moréia-verde, tarpão e, claro, a gangue de badejos-quadrados bem alimentados. Nós também havíamos programado várias visitas a praias durante nossa estadia para aprender sobre outras facetas do mundo submarino e se familiarizar com o que está sendo feito para proteger as criaturas marinhas e o ambiente.
>Por décadas eu ouvi sobre a exploração dos aquanautas vivendo sob o mar, às vezes por meses a cada vez. Mesmo após tudo que li eu não tinha consciência da trama envolvida até que eu entrei, através da piscina em lua, dentro da câmara molhada do habitat. Esse e os três compartimentos anexos, mantidos secos por um fluxo constante de ar comprimido, são espartanos mas bem equipados. Um par de janelas redondas de 1 metro de diâmetro dominam o espaço com um brilho amarelo esverdeado quente e a vista dos peixes passando.
>A Seven-Mile Bridge corre paralela a uma antiga estrutura de ferrovia — um remanescente da primeira conexão por terra entre o continente e Key West. A extensão da Florida East Coast Railway (Ferrovia da Costa Leste da Flórida), apelidada de "Flagler´s Folly "(Loucura de Flager) às custas do magnata Henry Flager, que financiou sozinho a mal fadada empreitada, assentou seu primeiro trilho em 1905. Terminada em 1912, trens percorreram a linha por 22 anos sem lucro antes que ela recebesse o golpe final do Furacão do Dia do Trabalho de 1935. Sem apetite para reconstruir o que sobrou da ferrovia, foi vendida para o Estado. Seguindo um pouco de pensamento criativo, uma rodovia de asfalto de duas pistas foi construída sobre as estruturas existentes 5 metros acima dos antigos trilhos, tornando possível aos automóveis irem até Key West pela primeira vez.
>Nós chegamos em Big Pine Key, o portão de entrada para as Keys do sul e a apenas 35 km de Key West às 7 da manhã, cedo demais para fazer o check in na loja de mergulho, portanto fomos caçar veados — veados das Keys para ser exato, a versão miniatura da ilha dos cariacus, não muito maiores do que Setters Irlandeses. Nós seguimos o GPS da Anna até um cruzamento fora da cidade onde dizem que eles ficam. E avistamos três fêmeas e um macho mordiscando capim na beira da pista. Quinn abaixou sua janela e tirou uma foto.
>A famosa formação recifal spur-and-groove dentro do Looe Key National Marine Sanctuary (Santuário Marinho Nacional de Looe Key) há tempos é um dos meus mergulhos favoritos. Embora a pesca seja permitida, armadilhas, caça com arpão e a coleta de peixes foram banidos há três décadas, permitindo que a vida marinha crescesse abundantemente. Quase antes que as bolhas sumissem Quinn se juntou a um cardume de budiões que estava passando embaixo do barco. Um frade dócil com mergulhadores mordiscava as bolhas em volta de sua cabeça quando ele ajoelhava na areia. Atrás de uma curva ele viu um tubarão bico-fino à distância. Ele nadou em direção a ele para ver melhor — um bom sinal. Ainda mais surpreendente, um mero de 1,5 m e 200 kg passa lentamente — um beneficiário da lei de 1990 que protege a espécie. Um encontro com um peixe desse tamanho seria incomum quatro décadas atrás quando eu mergulhei nas Keys pela primeira vez.
>Esses dias mergulhando em Key West quase que obrigatoriamente tinham que incluir uma visita ao USS Vandenberg, uma embarcação rastreadora de mísseis de 523 pés que atualmente está afundado com suas torres de 10 andares, apoiado sobre um solo rígido a 42 metros de profundidade, sete milhas ao sul de Key West. Desde que foi afundado como recife artificial em 2009, o imenso navio tem atraído mergulhadores e peixes ás dezenas de milhares. Com sua nova certificação de mergulhador avançado e mergulhando com um instrutor, Quinn pode explorar a superestrutura do navio que se eleva até 15 metros de profundidade. Nossa única preocupação era a correnteza que às vezes varre o Vandenberg com grande força.
>Analisar os observadores de peixes em ação tornou a ideia da identificação de peixes ainda mais atraente. Os pesquisadores, compostos pela equipe, estagiários e voluntários estavam monitorando o Vandenberg como parte de um censo de vários anos da população de peixes. Os voluntários da REEF também estudavam o invasor peixe-leão e agregações reprodutivas. Quinn absorvia tudo.
>Nenhuma viagem a Key West teria sido completa sem uma amostra de um pouco da vida noturna, embora parte dela fosse um pouco demais para nosso neto. Quando ele crescer nós sugeriremos que ele venha no Halloween e se divirta na Fantasy Fest, uma festa sem igual. Por enquanto, após jantarmos cedo, perambulamos por Mallory Square e Duval Street onde Key West e Margaritaville se unem em uma das cidades festeiras perenes preferidas no mundo. Mas após um longo dia na água e com dois mergulhos programados para a manhã seguinte, nós voltamos cedo para o hotel para descansar.
>À tarde voltamos para a água, mas dessa vez dentro de um enorme aquário em Florida Keys Aquarium Encounters, o novo parque de aventura de vida marinha de Marathon. É uma grande operação oferecer encontros onde se alimentam os animais e trilhas de mergulho livre, mas o ponto alto para nós foi quando Quinn e Anna entraram no tanque de exposição principal e alimentaram os peixes a partir de vasilhames de plástico. Com o primeiro esguicho a dupla desapareceu atrás de uma nuvem de raias, galos-de-penacho, vermelhos, bodiões-de-pluma e bodiões e budiões. Foi uma diversão!
>De volta no recife, na manhã seguinte, Quinn precisava de mais cinco peixes para atingir seu objetivo, então Anna e eu o levamos para o areião para ensina-lo a encontrar peixes que vivem na areia. Não demorou muito para Anna apontar o que se tornou o número 100 — uma lasca de peixe branco fantasma flutuando acima de sua toca. Ela rabiscou "Seminole goby" em sua prancheta com um grande 100 ao lado. Mas os objetivos não acabaram aqui. Ao mostrar um gastrópode para o Quinn eu percebi um pequeno peixe esvoaçando dentro da espiral rosada da concha. Foi minha vez de comemorar: era um Astrapogon stellatus, uma espécie que eu venho pessoalmente procurando há 40 anos.
>Depois de uma soneca, nós vestimos chinelos e shorts e fomos para o The Turtle Hospital, um antigo hotel transformado em um hospital e operação de resgate. As principais atrações do local estão em tanques azuis do lado da baia onde os visitantes encontram pacientes em recuperação e ouvem suas histórias. As tartarugas remando ao redor das piscinas transparentes apresentam todos os tipos de problemas — algumas foram atingidas por barcos, outras estavam se recuperando de cirurgias de tumores ou haviam sido encontradas presas a redes. Uma minúscula tartaruga-de-couro, com o saco vitelínico ainda preso, havia sido recentemente resgatada de uma marina ao lado da baia onde havia sido empurrada para a costa. Ela será alimentada até que fique estável, e então levada 50 km para dentro do mar e solta em um Sargassum flutuante. A visita nos faz sentir bem com relação às tartarugas e às pessoas.
>Nossa parada seguinte foi em Tavernier, uma pequena comunidade ao sul de Key Largo. Os recifes eram mais próximos da praia lá, e as bordas transbordavam de Haemulidaes e vermelhos. Quinn estava à vontade, relaxado, animado e aproveitando a vida em geral. Para coroar um ótimo dia na água, um peixe-boi do tamanho de uma vaca mascava algas próximo à plataforma de mergulho enquanto descarregávamos o equipamento no pier.
>A história moderna da exploração submarina começou em 1691

>Dez anos atrás a ideia de construir recifes de corais com as mãos soava tão absurda quanto as viagens submarinas do Capitão Nemo. Isso foi antes de Ken, um criador de rochas vivas para o mercado de aquários, começar a cultivar chifres-de-veado, um coral de crescimento rápido que um dia já recobriu os recifes em todo o Caribe. Por diversas razões, a uma vez abundante espécie desapareceu do Atlântico ocidental ao longo das últimas décadas; Ken e outros observaram consternados enquanto os jardins de chifres-de-veado ruíam.
>Alguns anos atrás, larvas de coral chifre-de-veado se fixaram em massa no berçário de rochas vivas de Ken. Por lei ninguém pode legalmente vender corais, portanto primeiro Ken simplesmente se manteve atento aos órfãos e os observou crescer e crescer. Por curiosidade ele começou a prender fragmentos deles em blocos de cimento. E eis que os fragmentos cresceram como mato. Ele continuou a inovar até que os corais dominaram o berçário. O que fazer?
>A FKNMS sabia do sucesso inicial de Ken e achou que não tinha nada a perder, então eles emitiram uma autorização para que ele transplantasse corais criados em ambiente controlado para o recife externo. Seus recifes prosperaram e a autorização foi estendida e expandida. Então Ken e Denise começaram a pensar. Mas como a maioria das grandes ideias, ela precisou de tempo, dinheiro e trabalho braçal. Trabalho braçal é onde o Quinn entrou. Mergulhadores voluntários têm ajudado a manter o berçário, transplantado pedaços de corais por todas as Keys e recentemente construído novos berçários na Colômbia e em Bonaire. Atualmente, Ken, Denise e a CRF sonham com nada menos do que ressemear toda Bacia Caribenha (veja "A Restauração de Corais se Expande Internacionalmente").
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>Ele elevou a voz um pouco para ser ouvido apesar do barulho do motor. "Eu tenho certeza de uma coisa: Qualquer que seja o resultado, nossos esforços são muito melhores do que não fazer nada."
>Navegar no berçário foi como nadar através de uma loja de porcelana. Até onde se podia ver, milhares de fragmentos de corais balançavam como sinos de vento em árvores de PVC sustentadas por boias. Quinn se movimentava através do labirinto como um peixe e flutuava como uma nuvem enquanto limpava as algas da estrutura de plástico. Quando ele terminou, ele se ajoelhou próximo a Denise, observando ela demonstrar como quebrar e amarrar fragmentos de forma que eles ficassem pendurados livremente nas correntes.
>Após fixar os fragmentos, Ken e Quinn destacaram quatro pedaços maduros de 30 cm de um ramo, os colocaram em cestas de plástico e voltaram para o barco para uma viagem até Snapper Ledge, onde o trabalho e a diversão continuaram. Levou todo o segundo mergulho para a dupla fixar os pedaços em dois metros quadrados de rocha de recife. Próximo a onde eles trabalhavam um chifre-de-veado saudável de 60 cm de altura previamente plantado vai crescendo na borda. Na minha visão, os corais de Ken são a melhor coisa que essa parte do recife tem no momento. Entretanto, ao norte e através de um longo terreno de escombros fica o ponto de mergulho mais conhecido como Snapper Ledge, abarrotado com nuvens de cocorocas-boca-de-fogo, coro-coros e trilhas. Por alguma razão, esse pedaço discreto apresenta mais peixes do que as estruturas recifais similares próximas e está sendo analisada para ganhar uma maior proteção através da designação de área marinha protegida. Isso é parte da genialidade da FKNMS; existem zonas designadas com graus de proteção muito específicas na esperança de satisfazer as várias partes envolvidas, sejam eles pescadores de anzol, de arpão ou apenas observadores e fotógrafos subaquáticos como nós.
>Já sem seu equipamento e cheio de confiança, Quinn pegou o leme e nos levou de volta para a praia. Em meio a todo o trabalho do dia ele adicionou duas últimas espécies de peixe à sua lista — números 125 e 126.
>Diante de nossos olhos Quinn se tornou um mergulhador, mas a segunda parte da equação é igualmente gratificante: Ele reconhece que o estranho mundo novo pelo qual ele acabou de se apaixonar precisa da sua ajuda. O mar é nosso presente para Quinn, e Quinn é nosso presente para o mar.
>© Alert Diver — 4º Trimestre 2014