>O projétil arqueou-se através da água, atingindo seu alvo com dois pontos afiados que perfuraram a carne, prendendo um aparelho eletrônico do tamanho de uma craca à barbatana dorsal de uma baleia-fin. O transmissor Low Impact Minimally Percutaneous Electronic Transmitter (LIMPET) tentaria entrar em contato com um satélite Argos toda vez que a baleia subisse à superfície, transmitindo a posição do animal durante as próximas seis semanas.
>Quase simultaneamente, Nino Pierantonio, colega de Panigada no Instituto de Pesquisa Tethys, com sede em Milão, disparou outra besta, que lançou uma flecha com ponta oca no flanco da baleia. A flecha atingiu a baleia e depois caiu na água, embalando um pequeno pedaço de pele e gordura para análise de DNA e toxinas. A baleia reagiu a ambos os insultos com uma pequena contração muscular, como se tivesse sido picada por um mosquito, e voltou aos seus afazeres.
>Esses afazeres eram a ingestão de enormes quantidades de krill, que pululavam em densidade suficiente para manchar a água superficial azul de um rosa surpreendente. O krill, normalmente encontrado a dezenas de metros de profundidade, estava se alimentando na superfície devido a enormes ressurgências que trazem água fria rica em nutrientes para a superfície ao redor de Lampedusa durante os primeiros meses de cada ano. As ressurgências são resultado da interação de correntes profundas com a dramática topografia do fundo.
>As baleias-fin eram conhecidas por habitar o norte do mediterrâneo durante o verão desde os tempos antigos — os romanos se referiam a costa italiana da Liguria (noroeste) como a "costa das baleias" - mas os boatos das agregações de alimentação durante o inverno ao redor de Lampedusa não eram confirmados até 2004. Os pesquisadores descobriram que as baleias não só estavam se alimentando fora de época, como o estavam fazendo bem na superfície e durante o dia. As baleias-fin no mar da Liguria (a área do mediterrâneo ao sul da região italiana da Liguria e ao norte da ilha de Córsega) se alimentam principalmente durante a noite e em águas profundas. Ao redor de Lampedusa as baleias também se alimentavam em grupos, possivelmente colaborando para juntar as presas — um comportamento não previamente registrado nas baleias-fin mediterrâneas.
>A questão que mais atormentava o fundador da Tethys, Giuseppe Notarbartolo di Sciara, era se essas baleias pertenciam a uma população do sul do Mediterrâneo separada ou se eram as mesmas baleias que sua organização estudava durante o verão no mar da Ligúria, perto da fronteira entre a França e a Itália.

>As baleias-fin forçam os extremos do reino animal em velocidade, tamanho e na ecologia da alimentação. Elas são uma das maiores criaturas do planeta e um dos nadadores mais rápidos do oceano. Cálculos preveem uma velocidade máxima teórica de cerca de 30 milhas por hora, e Pierantonio acredita que ele já viu uma nadar pelo menos nessa velocidade. (As velocidades mais rápidas estimadas para marlim, peixe-vela e golfinhos são baseadas nos animais saltando sobre a água ou brincando com as ondas produzidas pelos barcos.) As baleias-fin, que acredita-se mergulham a quase 600 metros no mediterrâneo em busca do krill, podem também ter o mais profundo mergulho de alimentação de qualquer baleia filtradora.
>As baleias-fin não nadam simplesmente com suas bocas abertas para filtrar o plâncton (como as baleias-francas fazem); ao invés disso, elas capturam krill, ou pequenos peixes pulando, repetidamente em alta velocidade, engolfando volumes de água que podem realmente ser maiores do que o tamanho do corpo da baleia antes dela abrir sua boca. Cada estocada requer uma aceleração rápida e um enorme gasto de energia. Pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica descreveram este processo como "um dos métodos de alimentação mais extremos entre os vertebrados aquáticos". Para suprir a intensa demanda energética de manter e operar um corpo enorme em alta velocidade, as baleias-fin devem consumir mais de uma tonelada de Krill todos os dias.
>As baleias-fin conseguem manter altas velocidades por grandes distâncias quando viajam entre áreas com grandes concentrações de presas. Uma baleia que Panigada marcou em março de 2015 nadou de Lampedusa até a ponta norte da Córsega, atravessando o Mediterrâneo de sul a norte em cinco dias. Ela teve uma média de velocidade de mais de 100 milhas por dia cruzando algumas das rotas de transporte aquaviário mais movimentadas do mundo. Uma segunda baleia marcada no mesmo dia fez uma migração semelhante, confirmando que as mesmas baleias se alimentam sazonalmente em ambos os lados do Mediterrâneo.
>"O nevoeiro que envolve a nossa compreensão sobre os movimentos das baleias no Mediterrâneo parece estar se elevando até certo ponto", disse Notarbartolo di Sciara. Entretanto, os dramáticos resultados foram mais motivo de preocupação do que de comemoração. As colisões com navios são a principal causa conhecida de morte de baleias-fin, e essas baleias nadam perto da superfície e sobem para respirar regularmente durante a migração. A confirmação de que a área de Lampedusa é um importante ponto de alimentação é também preocupante devido ao "crescimento exponencial do esforço de pesca" na região, de acordo com o relatório de Panigada e de seus colegas submetido à Comissão Baleeira Internacional.
>As baleias-fin são classificadas como ameaçadas em todo o mundo. A caça comercial de baleias nunca tem como alvo a população de baleias-fin do Mediterrâneo, mas as colisões com navios, as interações de pesca, a poluição química, a poluição sonora e as perturbações causadas pelas operações de observação de baleias são ameaças significativas. As baleias-fin do Mediterrâneo constituem uma subpopulação geneticamente distinta que foi isolada da população do Atlântico Norte por 200.000 anos. As baleias mediterrânicas raramente deixam o Mediterrâneo, exceto por pequenas incursões no Atlântico, logo além do Estreito de Gibraltar. Os pesquisadores podem distinguir baleias do Mediterrâneo e do Atlântico pelas características únicas de seus cantos.
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>Os mamíferos marinhos encontrados nas águas do santuário incluem baleias-fin, cachalotes, baleias-bicudas-de-Cuvier, baleias-piloto-de-peitorais-longas, golfinhos-listrados, golfinhos-comuns-de-bico-curto, golfinho-nariz-de-garrafa e golfinhos de Risso. As baleias-fin e os golfinhos listrados são os mais abundantes. Os cachalotes no Mediterrâneo, como as baleias-fin, constituem uma subpopulação distinta caracterizada por um repertório vocal único (e possivelmente um menor tamanho corporal). Ao contrário dos cachalotes do Atlântico, que fazem enormes migrações entre áreas de alimentação de alta latitude e áreas de reprodução de baixa latitude, acredita-se que os cachalotes do Mediterrâneo passem suas vidas dentro do Mediterrâneo.
>Os cientistas não reconheciam a abundância de baleias nesta região até Notarbartolo di Sciara começar a estudar cetáceos lá no final dos anos 1980. Muitos mergulhadores, no entanto, ainda acreditam que "o Med está morto".
>"Isso não é verdade", disse Sylvan Oehen, um membro da Tethys Cetacean Sanctuary Research equipe. "O Mediterrâneo está sobreexplorado para algumas espécies, mas a produtividade primária ainda está lá, e ela sustenta muita vida ".
>O número de baleias-fin no santuário tem diminuído nos últimos anos, mas isso pode simplesmente refletir o movimento para fora do mar da Ligúria em direção a outras partes do Mediterrâneo. Os números de cachalotes, no entanto, parecem estar aumentando dentro do santuário. Da mesma forma, o número de golfinhos-comuns caiu, mas os golfinhos listrados são abundantes. Suspeita-se que a sobrepesca das espécies de presas principais dos golfinhos comuns seja a responsável pelo declínio. Os golfinhos listrados comem uma variedade muito maior de presas e assim podem prosperar. As populações de golfinhos de Risso diminuíram desde 2005, com estimativas de abundância em 2012 e 2013 de apenas metade da média. Os golfinhos de Risso e as baleias-bicudas-de Cuvier alimentam-se principalmente de lulas, mas os estudos de Tethys mostraram que as duas espécies estavam usando habitats completamente diferentes.
>Quase nada se sabia sobre as baleias de Cuvier no Mediterrâneo antes de Tethys começar sua pesquisa em 1999, colaborando com outros pesquisadores para descrever uma população residente de cerca de 100 desses raros animais alimentando-se em uma região de canyon profundo próximo a Génova. As baleias-piloto-de-peitorais-longas, antes comumente encontradas em grandes grupos, são agora raramente vistas no santuário. Os pesquisadores ficam particularmente animados quando se deparam com um grupo, não apenas pela oportunidade de adicionar pontos ao banco de dados, mas também porque essas baleias são muito mais amigáveis do que a maioria dos cetáceos na área e do que as baleias-piloto na maioria das outras partes do mundo. Os pesquisadores de Tethys também se envolveram em uma pesquisa que procura controlar ameaças importantes às populações do golfinho-nariz-de-garrafa nos mares próximos Adriático e Jónico.
>Embora os mamíferos marinhos continuem a ser o seu foco principal, a Tethys está envolvida em pesquisas sobre uma grande variedade de espécies. Um estudo em colaboração com a universidade de Salento está investigando a abundância crescente de águas-vivas no mediterrâneo e as consequências ecológicas, sociais e econômicas resultantes. Um estudo das raias-diabo gigantes (Mobula mobular) forneceu as primeiras estimativas de sua abundância no noroeste do Mediterrâneo, e esse trabalho continua com parceiros palestinos para mostrar os efeitos da pesca para as espécies próximo a Gaza. Esses estudos em colaboração com o Instituto Nacional Italiano para a Proteção Ambiental e Pesquisa e a Comissão Baleeira Internacional, são financiados pelo Ministério do Ambiente italiano e utilizam fotos aéreas para fazer o censo das raias e cetáceos, bem como tartarugas, bluefin tuna e espadarte.
>Animais marinhos aqui, como em outros lugares, enfrentam uma variedade de ameaças, mas a estrutura internacional sem igual do santuário coloca grandes desafios para promulgar regulamentos para gerenciar essas ameaças. Assim, a Tethys trabalha com grupos de usuários como operadores de ferry, empresas de observação de baleias e pescadores para tentar mitigar as ameaças. Mais importante ainda, a organização continua sua pesquisa para melhorar nosso conhecimento das necessidades biológicas dessas espécies e de como elas estão sendo afetadas por um ambiente marinho em mudança.
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>© Alert Diver — 2º Trimestre 2016